quarta-feira, 5 de agosto de 2009

É PRECISO (MESMO) TIRAR AS CRIANÇAS DAS RUAS?

Trabalhando na área social desde 1996, aqui em Sorocaba, vez por outra me deparo com algum projeto destinado ao auxílio de crianças carentes cujo maior objetivo, entre outras finalidades, é o de “tirar as crianças da rua”, para salvá-las da marginalidade, da influência do tráfico de drogas ou de práticas lesivas ao seu bom desenvolvimento – físico, mental e espiritual. Embora tais projetos configurem-se nobres em seus ideais, fica-me sempre a sensação estranha de que algo está distorcido nessa maneira de pensar. E, nesses momentos, a questão que incomoda minha mente é: até que ponto é preciso, realmente, tirar nossas crianças das ruas?
É inegável a necessidade de ações positivas, seja da sociedade civil, seja do poder público, que afaste nossas crianças, principalmente as procedentes de famílias vitimadas pela vulnerabilidade social, das mazelas decorrentes de uma relação desigual e injusta resultante do sistema capitalista que privilegia o ter sobre o ser. Dessa relação, um dos problemas decorrentes, é a realidade dolorida e cruel de se ver crianças em situação de rua, sozinhas ou acompanhadas por pais ou exploradores sociais, pedindo comida, esmolas, ou sendo abusadas com as mais violentas práticas de agressões ao corpo, à mente e ao espírito, com graves conseqüências individuais ou coletivas.
Entre tantos outros, cito dois exemplos de projetos daquelas duas esferas, dignos de aplausos. Um, pela sociedade civil, na Capital, dirigido pelo amigo Daniel Fresnot, judeu-francês, louco o suficiente para tocar as Casas Taiguara e Taiguarinha, (www.casataiguara.org.br) desde 96, ação que tem feito a diferença entre a vida e a morte para muita criança naquele amontoado humano chamado São Paulo; o outro, como política pública, aqui da Secretaria da Cidadania de Sorocaba, denominado “Esmola não dá futuro”, que conseguiu a rara façanha de praticamente retirar todos os adolescentes e jovens dos principais cruzamentos de nossa cidade onde “trabalhavam”como flanelinhas ou lavadores de pára-brisas (sucesso sujeito, logicamente, à manutenção das ações de prevenção, capacitação e empregabilidade), merecendo, por isso, os cumprimentos a incansável Mazé Lima e sua valiosa equipe.
Há um clamor quase unânime da sociedade de se estabelecer, cada vez mais, as chamadas escolas de tempo integral, onde a criança tem não só o acesso ao conhecimento regular como a atividades sócio-educativas, de lazer e culturais, no horário contrário ao das aulas do currículo regular. Com isso, espera-se reduzir as possibilidades de envolvimento e comprometimento das crianças e jovens com as práticas marginais já citadas acima, protegendo-as de más influências reconhecidamente prejudiciais ao seu bom desenvolvimento como indivíduo e cidadão.
No entanto, ainda considero pertinente a questão: por que precisamos, tanto, tirar nossas crianças das ruas? Essa insistência, deve-se, em grande parte, às minhas lembranças de infância (creio que muita gente por aí vai lembrar também) com ruas cheias de crianças após ou antes do horário escolar brincando das mais variadas formas: cabra cega, amarelinha, pega-pega e mais o que a criatividade aprontasse, sob o olhar periférico dos pais que, paralelamente, conversavam às portas das casas.
Com o advento e massificação da TV fomos empurrados para dentro das casas ou para os shoppings centers, onde eles existem. Pior: vivemos a época dos condomínios fechados interligados aos tais shoppings ou às escolas e centros de diversão e lazer. Hoje, nossas ruas estão entregues basicamente aos veículos. Basta caminhar por elas fora do horário comercial. É uma desolação só.
Tramita na Câmara de Vereadores projeto de lei de minha autoria cujo objetivo é exatamente devolver às crianças às ruas. Explico: ele objetiva criar as “Ruas de Lazer”, espaços delimitados nas próprias ruas após indicação da comunidade através das Associações de Amigos de Bairro ou similares, ou só através de indicação de grupo de moradores, submetidas ao critério do órgão competente, que serão interditadas em dia(s) e horário(s) determinado(s) para a prática de atividades lúdicas, esportivas ou culturais. Com isso, esperamos haja uma suplementação da carência de espaços para esses fins, mas acima de tudo, que traga de volta a alegria, a feliz barulheira que estimula a sociabilidade, o companheirismo e solidariedade entre nossas crianças e jovens para o bem de cada um e para a coletividade como um todo.

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